terça-feira, 18 de setembro de 2012

Inglaterra se torna referência em projetos de educação musical


 
Pouco antes do início do concerto, a fila que começa na porta do Royal Albert Hall corta a praça em direção ao...
 

Divulgação

"Festival ocupa durante oito semanas anuais o Royal Albert Hall"

Pouco antes do início do concerto, a fila que começa na porta do Royal Albert Hall corta a praça em direção ao Royal College of Music, misturando-se a um grupo que, num fim de tarde de sol em Londres, chega de uma caminhada pela região central da cidade, embalada pela obra do compositor John Cage.

Enquanto isso, a dezenas de estações de metrô de distância, a melancolia do jardim de uma antiga igreja é interrompida pelo movimento de jovens músicos e pelo som frenético de violinos - em meio aos quais uma flauta solitária improvisa um solo de Mozart.

Cruzando o país em direção ao extremo norte, em um prédio desenhado pelo arquiteto Norman Foster, uma moderna construção à beira do Rio Tyne, um grupo da terceira idade que prepara um espetáculo com canções londrinas do século 19 divide o espaço com crianças ainda de fraldas, atentas à contação de histórias.

Os cenários e personagens - o Proms Festival, a Sinfônica de Londres e o conservatório Sage Gateshead - são diferentes, mas o enredo de suas histórias é o mesmo: como fazer da música um instrumento de transformação e, ao mesmo tempo, conquistar um novo público para os clássicos? Cada um, dentro de seu campo de atividade, oferece uma resposta - e faz da Inglaterra centro de referência europeia no que diz respeito a iniciativas de formação musical.

Realizado desde o século 19, o Proms ocupa o Royal Albert Hall durante oito semanas do verão, com concertos diários. Na edição de 2011, teve um público de 300 mil pessoas, sem contar as transmissões via BBC de todas as apresentações - em 2011, o recorde foi 18,5 milhões de ouvintes em um só concerto (a edição deste ano termina no dia 8). Roger Wright, diretor-geral do evento, é direto ao definir a proposta: levar música clássica de qualidade ao maior número de pessoas possível. "Mas seria ingênuo achar que basta programar concertos", diz ele, explicando que há cerca de uma década o Proms resolveu investir em um programa educacional que hoje se espalha por toda a Inglaterra.

Já a Sinfônica de Londres, que ocupa com sua temporada o Barbican Center, foi criada em 1904 e é um dos principais conjuntos europeus, realizando 72 programas diferentes ao ano e embarcando em frequentes turnês pela Europa e pelos Estados Unidos. Na última década, porém, tem realizado uma revolução fora do palco. Criou um selo próprio e, de olho nas novas tecnologias, reinventou-se na busca por um público mais amplo; ocupou e restaurou uma igreja abandonada em uma região menos favorecida da capital inglesa e lá instalou um projeto educacional de referência, que contempla desde a formação de plateia até a revelação de novos talentos.

O prédio que abriga o Sage foi inaugurado em 2004, mas os projetos que hoje ocupam a construção em uma antiga zona industrial de Gateshead remetem ao fim dos anos 90 - e incluem desde trabalhos com a música popular até a atividade de uma orquestra residente, a Northern Sinfonia, passando por iniciativas de convivência e formação musical que abrangem desde crianças ainda na barriga de suas mães até a terceira idade. Mais: acaba de ser selecionado pelo governo para participar do desenvolvimento de um projeto nos moldes do Sistema Venezuelano, que revelou ao mundo talentos como o maestro Gustavo Dudamel.

Visitar os três projetos é se deparar com uma crença comum - nos dias de hoje, a performance em si deve ser apenas um aspecto de qualquer trabalho com a música. "Uma orquestra já não é mais só uma orquestra", diz Caro Barnfield, chefe do Centro para Projetos Orquestrais da Sinfônica de Londres. "A música não é a única maneira de estabelecer um projeto com base na educação e na preocupação social, poderíamos fazer o mesmo com os esportes. Mas a arte é uma excelente 'cola' social - e então temos de encontrar os mecanismos ideais para fazer isso acontecer", diz Ed Milner, responsável pelo departamento de educação infantil do Sage.

"A questão é: por que eu tenho de ouvir uma orquestra tocar? Ninguém ganha nada se você tenta simplesmente enfiar a música goela abaixo das pessoas. Há um outro caminho, mais difícil e também mais eficaz: conectar-se às pessoas de modo que elas façam da música algo importante no cotidiano, que ela interfira na maneira como as pessoas se relacionam, se comunicam", afirma a diretora de marketing da Sinfônica de Londres, Karen Cardy. "No Proms, a palavra chave é participação.

Oferecemos ingressos, realizamos excursões para o Royal Albert Hall, mas isso não é suficiente. A relação com a música, com a arte, não pode ser passiva, não pode se basear na simples contemplação. Ouvir pode e deve ser um ato de criação", complementa Ellara Wakely, diretora de projetos educacionais do Proms e da Sinfônica da BBC.

Nesse processo, chama a atenção um aspecto em particular - ainda que o trabalho com os jovens seja, na maior parte das vezes, o foco principal, ele se dá em conjunto com a preocupação de envolver toda a família em iniciativas que se espalham pelas comunidades. "No Sage, a preocupação de trabalhar com pessoas de todas as idades vem da certeza de que a convivência é fundamental", diz Wendy Smith, uma das chefes do departamento de educação do Sage. "Qual o sentido de um prédio como este se ele não se transformar em um ponto de encontro entre as pessoas?", completa. "Quando começamos a trabalhar em um projeto de formação, observamos as atividades musicais que já existiam em algumas comunidades por toda a Inglaterra. O que fizemos foi profissionalizar a metodologia, ajudar a dar foco. E nos demos conta de que a presença da família era fundamental, daí iniciativas como a Orquestra e o Coro Familiar do Proms, das quais qualquer um pode fazer parte, entrando em oficinas que culminam em um concerto", diz Ellara Wakely.

A ideia de família, para a Sinfônica de Londres, pode ser ampliada para a comunidade. "Começamos a olhar para nós mesmos e perguntar: quem somos? Cada membro da orquestra tem uma origem distinta, uma história de vida. Sejamos honestos. Não podemos impor a música clássica. Assim, transformamos cada um de nossos funcionários em agentes do grupo. São eles que voltam a suas comunidades, às vezes menos favorecidas, e trazem as pessoas de lá para esta parte de suas vidas. A ideia é simples: se meu vizinho trabalha em uma orquestra e gosta de assistir a um concerto, por que eu não posso fazer o mesmo?", afirma Karen Cardy.

NÚMEROS

300 mil pessoas compareceram aos concertos do Proms em 2011

8 mil famílias participam do Family Program da Sinfônica de Londres

40 conjuntos corais atuam no norte da Inglaterra em projetos ligados ao Sage Gateshead

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