Pouco antes do início do
concerto, a fila que começa na porta do Royal Albert Hall corta a praça em
direção ao...
Divulgação
"Festival
ocupa durante oito semanas anuais o Royal Albert Hall"
Pouco
antes do início do concerto, a fila que começa na porta do Royal Albert Hall
corta a praça em direção ao Royal College of Music, misturando-se a um grupo
que, num fim de tarde de sol em Londres, chega de uma caminhada pela região
central da cidade, embalada pela obra do compositor John Cage.
Enquanto
isso, a dezenas de estações de metrô de distância, a melancolia do jardim de
uma antiga igreja é interrompida pelo movimento de jovens músicos e pelo som
frenético de violinos - em meio aos quais uma flauta solitária improvisa um
solo de Mozart.
Cruzando
o país em direção ao extremo norte, em um prédio desenhado pelo arquiteto
Norman Foster, uma moderna construção à beira do Rio Tyne, um grupo da terceira
idade que prepara um espetáculo com canções londrinas do século 19 divide o
espaço com crianças ainda de fraldas, atentas à contação de histórias.
Os
cenários e personagens - o Proms Festival, a Sinfônica de Londres e o
conservatório Sage Gateshead - são diferentes, mas o enredo de suas histórias é
o mesmo: como fazer da música um instrumento de transformação e, ao mesmo
tempo, conquistar um novo público para os clássicos? Cada um, dentro de seu
campo de atividade, oferece uma resposta - e faz da Inglaterra centro de
referência europeia no que diz respeito a iniciativas de formação musical.
Realizado
desde o século 19, o Proms ocupa o Royal Albert Hall durante oito semanas do
verão, com concertos diários. Na edição de 2011, teve um público de 300 mil
pessoas, sem contar as transmissões via BBC de todas as apresentações - em
2011, o recorde foi 18,5 milhões de ouvintes em um só concerto (a edição deste
ano termina no dia 8). Roger Wright, diretor-geral do evento, é direto ao
definir a proposta: levar música clássica de qualidade ao maior número de
pessoas possível. "Mas seria ingênuo achar que basta programar
concertos", diz ele, explicando que há cerca de uma década o Proms
resolveu investir em um programa educacional que hoje se espalha por toda a
Inglaterra.
Já
a Sinfônica de Londres, que ocupa com sua temporada o Barbican Center, foi
criada em 1904 e é um dos principais conjuntos europeus, realizando 72
programas diferentes ao ano e embarcando em frequentes turnês pela Europa e
pelos Estados Unidos. Na última década, porém, tem realizado uma revolução fora
do palco. Criou um selo próprio e, de olho nas novas tecnologias, reinventou-se
na busca por um público mais amplo; ocupou e restaurou uma igreja abandonada em
uma região menos favorecida da capital inglesa e lá instalou um projeto
educacional de referência, que contempla desde a formação de plateia até a
revelação de novos talentos.
O
prédio que abriga o Sage foi inaugurado em 2004, mas os projetos que hoje
ocupam a construção em uma antiga zona industrial de Gateshead remetem ao fim
dos anos 90 - e incluem desde trabalhos com a música popular até a atividade de
uma orquestra residente, a Northern Sinfonia, passando por iniciativas de
convivência e formação musical que abrangem desde crianças ainda na barriga de
suas mães até a terceira idade. Mais: acaba de ser selecionado pelo governo
para participar do desenvolvimento de um projeto nos moldes do Sistema
Venezuelano, que revelou ao mundo talentos como o maestro Gustavo Dudamel.
Visitar
os três projetos é se deparar com uma crença comum - nos dias de hoje, a
performance em si deve ser apenas um aspecto de qualquer trabalho com a música.
"Uma orquestra já não é mais só uma orquestra", diz Caro Barnfield,
chefe do Centro para Projetos Orquestrais da Sinfônica de Londres. "A
música não é a única maneira de estabelecer um projeto com base na educação e
na preocupação social, poderíamos fazer o mesmo com os esportes. Mas a arte é
uma excelente 'cola' social - e então temos de encontrar os mecanismos ideais
para fazer isso acontecer", diz Ed Milner, responsável pelo departamento
de educação infantil do Sage.
"A
questão é: por que eu tenho de ouvir uma orquestra tocar? Ninguém ganha nada se
você tenta simplesmente enfiar a música goela abaixo das pessoas. Há um outro
caminho, mais difícil e também mais eficaz: conectar-se às pessoas de modo que
elas façam da música algo importante no cotidiano, que ela interfira na maneira
como as pessoas se relacionam, se comunicam", afirma a diretora de
marketing da Sinfônica de Londres, Karen Cardy. "No Proms, a palavra chave
é participação.
Oferecemos
ingressos, realizamos excursões para o Royal Albert Hall, mas isso não é
suficiente. A relação com a música, com a arte, não pode ser passiva, não pode
se basear na simples contemplação. Ouvir pode e deve ser um ato de criação",
complementa Ellara Wakely, diretora de projetos educacionais do Proms e da
Sinfônica da BBC.
Nesse
processo, chama a atenção um aspecto em particular - ainda que o trabalho com
os jovens seja, na maior parte das vezes, o foco principal, ele se dá em
conjunto com a preocupação de envolver toda a família em iniciativas que se
espalham pelas comunidades. "No Sage, a preocupação de trabalhar com
pessoas de todas as idades vem da certeza de que a convivência é
fundamental", diz Wendy Smith, uma das chefes do departamento de educação
do Sage. "Qual o sentido de um prédio como este se ele não se transformar
em um ponto de encontro entre as pessoas?", completa. "Quando
começamos a trabalhar em um projeto de formação, observamos as atividades musicais
que já existiam em algumas comunidades por toda a Inglaterra. O que fizemos foi
profissionalizar a metodologia, ajudar a dar foco. E nos demos conta de que a
presença da família era fundamental, daí iniciativas como a Orquestra e o Coro
Familiar do Proms, das quais qualquer um pode fazer parte, entrando em oficinas
que culminam em um concerto", diz Ellara Wakely.
A
ideia de família, para a Sinfônica de Londres, pode ser ampliada para a
comunidade. "Começamos a olhar para nós mesmos e perguntar: quem somos?
Cada membro da orquestra tem uma origem distinta, uma história de vida. Sejamos
honestos. Não podemos impor a música clássica. Assim, transformamos cada um de
nossos funcionários em agentes do grupo. São eles que voltam a suas
comunidades, às vezes menos favorecidas, e trazem as pessoas de lá para esta
parte de suas vidas. A ideia é simples: se meu vizinho trabalha em uma
orquestra e gosta de assistir a um concerto, por que eu não posso fazer o
mesmo?", afirma Karen Cardy.
NÚMEROS
300
mil pessoas compareceram aos concertos do Proms em 2011
8
mil famílias participam do Family Program da Sinfônica de Londres
40
conjuntos corais atuam no norte da Inglaterra em projetos ligados ao Sage
Gateshead
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