segunda-feira, 19 de abril de 2010

Sons, sussuros e batucadas

Matéria extraida de http://www.cartanaescola.com.br/edicoes/40/sons-sussurros-e-batucadas/


Sons, sussurros e batucadas


por André de Oliveira

Carta na Escola promove debate sobre o ensino obrigatório de música



O seminário Música nas Escolas, organizado pelas revistas Carta na Escola e Carta Fundamental, em parceria com a Associação Brasileira de Música (Abemúsica), teve como proposta abrir um espaço de debate sobre a Lei nº 11.769, que determina o ensino musical como parte do conteúdo obrigatório da disciplina de Artes no Ensino Básico. Mas se um desavisado entrasse no Salão Nobre da Sala São Paulo, no centro da cidade, na tarde de 17 de agosto, talvez ficasse um pouco confuso ou se perguntasse se estava, realmente, no lugar certo.


Em vez de uma mesa com educadores, esse desavisado encontraria duas centenas de professores emitindo sons guturais e promovendo expressões sonoras de susto, cansaço, dor e alegria durante a apresentação do músico Lyba Serra, especialista em técnica vocal. Caso retornasse meia hora depois, veria o mesmo grupo, acompanhado dos músicos Sandra Peres e Paulo Tatit, enaltecendo em uma canção a gostosura de uma bolacha de água e sal. Mais adiante, encontraria o tropicalista Tom Zé encarapitado em uma cadeira, deixando cair folhas avulsas de seu discurso igualmente tropicalista e cantando São, São Paulo, meu amor. Mais tarde, ouviria um sexteto de metais da Academia de Música da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) mostrando que é possível tocar tubas, trombones e trompetes de maneira quase sussurrada.

A proposta do seminário era refletir sobre as potencialidades da nova lei por meio da própria música. Favorável à obrigatoriedade do ensino, Synésio Batista da Costa, presidente da Abemúsica, disse, em seu discurso de abertura, que o seminário representava um primeiro passo no resgate de um direito tirado dos estudantes brasileiros, sem qualquer justificativa, na década de 70. “A lei corre o risco de não pegar, mas o que estamos fazendo, abrindo espaço para uma discussão de possibilidades, é uma mostra de que não queremos que isso aconteça”, acredita Batista.
A nova lei, no entanto, causa diversas discussões, por ser vaga demais. “Como ninguém sabe direito como serão essas aulas, o seminário teve uma proposta investigativa. Em vez de educadores, convidamos primeiramente os músicos para pensarem esse formato fazendo música”, explica Ricardo Prado, redator-chefe das publicações. As redes terão até 2011 para definir o formato em que o ensino de música se dará.


Especialista em técnicas vocais, Lyba Serra não abordou teoria musical nem emitiu opiniões sobre a nova lei. Aliás, pediu que todos os participantes não falassem, mas, seguindo seus comandos, emitissem uma série de sons. Em todos os exercícios vocais feitos pelo professor, a plateia buscava, intuitivamente, uma afinação, coisa que, quando acontecia, era desaconselhada pelo professor, que explicou a razão de cada exercício. Ao falar do futuro aluno de música na escola, frisou: “É importante fazer o jovem usar sua espontaneidade e seu corpo, que é o primeiro instrumento do homem”.

Em meio à sua palestra musical, Sandra Peres e Paulo Tatit, fundadores do selo Palavra Cantada, nascido com o objetivo de produzir canções infantis, opinaram sobre a maneira como o ensino acontecia antes de ter sido banido do currículo. “Eu tive aula de música na escola e posso dizer que era uma coisa absurda, porque essa arte era apresentada racionalmente, quando, na verdade, é extremamente subjetiva”, conta Tatit. Sua parceira de palco e de canções, Sandra , ao falar sobre sua trajetória como música, lembra que “teve todas as chances de desistir”: “Comecei a aprender música em conservatórios eruditos, onde o clima era muito formal para uma criança”.

“Para ensinar música, é preciso usar todas as formas inusitadas de atingir a sensibilidade de um aluno. Por exemplo, deve-se inventar instrumentos e não limitar a criatividade infantil”, prosseguiu, logo após apresentar um garfo e um prato que imitavam o som de sua mãe fazendo omelete.
A dupla, que já vendeu mais de 1 milhão de cópias de seus onze CDs, exemplificou, com uma latinha vazia, a importância das chamadas “notas surdas”. “A lata possibilita isso quando é pega com a mão, em contraste com o som mais forte que ela emite ao bater na mesa”, ressaltou Tatit, exemplificando ritmicamente, com sua parceira, o potencial didático do “instrumento”.

Do trabalho de pesquisa envolvido na gravação do CD Canções do Brasil, Sandra interpretou a música feita por uma professora que, bem-humorada, tentava espantar sua preguiça. Tal criatividade musical encantou o músico Tom Zé, que confessou ter sentido uma inveja saudável da capacidade criadora daquela anônima mestra de escola. E recordou sua perplexidade ao ouvir uma jovem em uma loja de roupas reclamar aos vendedores daquela “música horrível” que tocava, de autoria de Tom Jobim. “Como é possível o professor entrar na sala para negar o que os alunos ouvem no dia a dia?”, perguntou-se o músico, em referência a estilos musicais como o hip-hop, o funk e as letras agressivas deste último gênero. Apesar de admitir a dificuldade envolvida na tarefa de ensinar tal disciplina, Tom Zé acredita que o professor deve tentar apresentar outras correntes musicais aos alunos, como a bossa nova, tão incômoda para a menina na loja.

O encerramento do seminário Música nas Escolas se deu com a apresentação de um sexteto de metais formado por integrantes da Academia de Música da Osesp. Para o maestro Antonio Carlos Neves, coordenador do departamento educacional de música da Fundação Osesp, quem pretende ensinar a disciplina deve, antes, procurar em sua memória o primeiro contato pessoal com a música. Foi assim que aconteceu com os quase 2 mil professores e 186 mil alunos que já passaram pelo curso de educação musical oferecido pela fundação. Todos saíram dos encontros mais conscientes dos inúmeros recursos oferecidos por um patrimônio musical que não para de crescer. Pena que a escola, até então, esteve surda a ele.

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